Nós só temos duas ou três certezas na vida, entre as quais a morte ocupa posição definitivamente central. Claro, há outras certezas indubitáveis, como já antecipou Benjamin Franklin, dizendo que “nada é certo nesta vida, senão a morte e os impostos”. Sim, sim. Temos também a gravidade. Ou a terra ter um formato oval… Contestável, já ouço bradar aquele amigo-que-acredita-em-mamadeira-fálica. Tudo bem, sem confusão. Acalme-se.
O que me importa aqui, para a minha indicação para a cabeceira neste nublado e abafado e inquietante janeiro tupiniquim, é mesmo a morte, ou ainda, as formas possíveis de morte. Não tremas assim, querido leitor hematofóbico, porque, como disse Machado de Assis, “não hei de rubricar esta lauda com um pingo de sangue”. Relaxa!
O ano de 2020 mal começou e já fomos bombardeados pela iminência de uma 3ª Guerra Mundial. É o fim! A mídia, cumprindo fielmente seu previsível papel, empenha-se na não tão difícil missão de nos mostrar o abismo em que podemos mergulhar: guerra nuclear, armas de destruição em massa, dólar passando dos quatro reais. É o fim! Enquanto não destruímos o planeta com armas nucleares, vamos seguindo, aos trancos e barrancos, suando a camisa para pagar o boleto nosso de cada dia. E vamos tentando aprender um pouco com a nossa “imprecionante” história.
Qualquer menção a armas nucleares inevitavelmente nos remete a um dos piores acidentes de nossa curta mas comovente história humana: Chernobil. Foi entre os dias 25 e 26 de abril de 1986, na cidade de Pripyat, no norte da então soviética Ucrânia. Não há um número exato de mortes (União Soviética, meu amigo!…), mas o impacto desse acidente afetou não apenas os moradores próximos à usina, como também todos aqueles que trabalharam na contenção do desastre (verdadeiros heróis) e pessoas que viviam em países vizinhos, por onde as nuvens radioativas passaram.
Para narrar esse desastre, o canal de televisão HBO produziu uma das mais chocantes séries de 2019: Chernobyl. Lançada em maio de 2019, a série é dividida em cinco episódios e mostra, a partir de um simples teste de segurança que simulava a falta de energia na estação nuclear, como o reator explodiu e causou um desastre dificilmente comparável. Há, claro, uma série de erros cometidos e mencionados na série, mas o que mais nos chama a atenção é a idade dos engenheiros responsáveis pela manutenção de uma usina potencialmente devastadora. Todos contam seus 24, 25 anos, incluindo aqueles que gerenciam todas as atividades.
Entre as cenas mais chocantes está uma espécie de chuva de cinzas radioativas que cai sobre a população, que observa a clareira que envolve a usina nuclear. Crianças brincam com a fuligem altamente radioativa que se acumula aos montes no chão; mães e seus bebês observam maravilhados as cinzas que delicadamente caem sobre o cabelo, rosto, olhos. Ninguém sabe o que está acontecendo ou a proporção do desastre que se desenha diante dos olhos, por isso olham admirados a beleza das chamas coloridas que invadem o céu.
Na manhã seguinte à explosão, a natureza antecipa a dimensão do acidente: pássaros começam a cair do céu agonizando. O cenário é apocalíptico. Acompanhamos também os efeitos sobre o corpo daqueles que são diretamente expostos à radiação: a pele parece derreter, os ossos “sambam” dentro da pele. Aos funcionários que são expostos ao núcleo do reator, a radiação é ainda mais letal: a pele se desfaz e, em segundos de exposição, surgem profundas feridas que aumentam rapidamente.
Para piorar a situação, ninguém, dentro ou fora da usina, conhece exatamente os efeitos que a radiação poderia causar no corpo humano. É por esse motivo que um número ainda maior de pessoas acaba exposto ao cuidar dos feridos, que, mesmo fora da usina, continuam fatalmente contaminados e radioativos.
A fotografia e cenário da série são perfeitos: o espectador sente-se imerso naquele deletério território. O reator da usina é fielmente reconstituído; os prédios, hospitais, casas e trajes impressionam. O realismo da reconstituição desse devastador acidente nuclear pela série Chernobyl é preciso o bastante para causar em nós, espectadores, verdadeiro temor por qualquer ameaça de ataques nucleares — ainda que esse acidente tenha liberado cerca de 400 vezes mais material radioativo do que o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki. Um impressionante programa educativo para certos líderes mundiais.
Para completar essa dica (e para refletir mais sobre esse sombrio episódio e a ameaça que uma guerra nuclear pode significar), há outra grande obra produzida sobre esse desastre – na qual, aliás, a série baseou boa parte de seu conteúdo. Assim como o filme, a perspectiva adotada pela escritora Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do Nobel de Literatura de 2015, é criada a partir do relato de sobreviventes e pessoas próximas, que de alguma forma vivenciaram o acidente. Trata-se do livro Vozes de Tchernóbil. Vale a pena a leitura.