Embora não seja de hoje que o planeta nos alerte que algo não está bem, parece que só recentemente decidimos parar e ouvir. Isso não significa que toda a sociedade deliberadamente optou por ignorar as causas e consequências devastadoras das mudanças climáticas. Desde a década de 1970, cientistas do clima já denunciavam o aumento global de temperatura, bem como suas possíveis causas. Sendo as megacorporações do setor de energia as principais vilãs dessa história, a atitude mais racional a ser tomada seria reduzir drasticamente sua pegada de carbono. Porém, como o nome sugere, “megacorporações” movimentam cifras bilionárias, criando a sensação de que, a despeito de seus impactos ambientais, elas talvez sejam um mal necessário.
Apesar de o aumento nas emissões de gases de efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) ter sido documentado a partir da Revolução Industrial, a “grande aceleração” só se deu no pós-guerra, graças a um crescimento populacional e de produção de bens de consumo, aumentando de maneira drástica as emissões de CO2 na atmosfera. Percebemos outra vez os interesses comerciais se sobressaindo às necessidades da natureza. Imagino que climatologistas daquela época, ignorados por razões políticas e econômicas, devem ter se perguntado qual preço pagaríamos pela destruição do meio ambiente. Hoje temos certeza da resposta: vivemos no Antropoceno, era geológica que sucede ao Holoceno, na qual o modo de vida dos seres humanos — mas não de todos, como já observamos — afeta o comportamento do sistema Terra.
De fato, estamos diante de um problema complexo e multifatorial, que abrange diversas áreas do conhecimento, já que precisamos repensar nosso modo de vida, que inclui transporte, eletricidade, construção civil etc., e isso envolve desde as ciências naturais até as sociais. A gravidade aumenta, pois não temos tempo a perder, como bem divulgou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (International Panel on Climate Change, ou IPCC, na sigla em inglês), uma organização da Organização das Nações Unidas (ONU), no relatório lançado em 2021, ao expor que o impacto provocado pelo ser humano já é irreversível e que as crises climática e ambiental se agravarão nas próximas décadas se nada for feito.
No entanto, apesar da urgência, devemos atentar para não esvaziar a discussão e acabar caindo na armadilha de responsabilizar o indivíduo por um problema estrutural ou mesmo de imaginar que qualquer novo negócio que se diz “sustentável” irá automaticamente resolver nossos problemas, afinal estamos todos sedentos por uma transição energética limpa.
Citaremos apenas os carros elétricos da Tesla como exemplo. Um olhar cuidadoso nos diria que eles não são tão benéficos ao meio ambiente quanto se intitulam. Além do fato de a empresa ter comprado 1,5 bilhão de dólares em bitcoins, o que já invalidaria seu discurso ambientalista — já que a energia gasta no processo de mineração de criptomoedas não provém de fontes renováveis —, o fato de os carros serem elétricos não altera a lógica de consumo: ao comprar um carro elétrico, a pessoa fará o que com o anterior? Além de toda a nova cadeia de produção que demandará novas matérias-primas. Um caminho muito mais lógico e sustentável seria menos investimentos em transportes individuais e mais em transportes coletivos, para citar apenas um exemplo. Mas como isso não dá lucro, não costuma ser uma opção atraente a acionistas.
Mesmo diante dessas e outras evidências contundentes, ainda enfrentaremos negacionistas climáticos; pessoas cientes da gravidade da situação, mas apáticas por se sentirem apartadas da natureza; ou mesmo, direta ou indiretamente, grupos minoritários, que tanto lá atrás quanto nos dias atuais olham para a situação com objetivos meramente econômicos. Há ainda um quarto grupo, composto por pessoas mais humildes e sem acesso a tais informações. Tendo esses perfis em mente, talvez seja mais eficiente e lógico focar no segundo e quarto grupos nossas tentativas de diálogo.
Quando falamos de mudanças climáticas, falamos de um paradigma que deve contar com a coletividade para ser resolvido, afinal, não são as empresas que nos colocaram no olho desse furacão que irão nos tirar dele. Talvez elas até possam, mas quanto custaria a passagem para essa expedição? Os mais interessados em resolver esse grande desafio somos nós mesmos, a sociedade. Sozinhos, não conseguiremos solucionar esse problema sistêmico, mas se nos engajarmos em pressionar nossos representantes políticos, podemos fazer uma grande diferença — por isso a importância de encontrar aliados ao motivar pessoas apáticas e ao compartilhar informações com quem desconhece o assunto.
Este texto não daria conta de cobrir todos os pontos desse imenso assunto, e nem é essa a ideia, por se tratar de um tema que não se esgota. Mas minha motivação para escrever estas linhas se deu graças a uma notícia recente. Talvez ela lhe pareça banal, mas carrega, simbolicamente, um punhado dos problemas que enfrentamos, sociais e ecológicos.
A matéria “Árvore em extinção é derrubada por bolsonaristas para ato antidemocrático”, publicada pela página Jornalistas Livres, traz um texto que demonstra uma série de informações, mas que tomei a liberdade de resumir em uma única palavra: desrespeito. Apesar de serem as grandes corporações — e, por extensão, o sistema econômico vigente — as principais causadoras de nossos problemas contemporâneos, há uma parcela da sociedade que se identifica com seus discursos. O caso da castanheira centenária, em extinção, apenas reforça o quão utilitarista, e triste, é o olhar que muitos seres humanos têm em relação ao meio natural; sentem-se superiores e desrespeitam tudo: a constituição, o seu próximo e a natureza.
Não há como discutir, com pessoas sãs, que desde 2018 o governo então vigente era favorável ao desmatamento na Amazônia ao afrouxar políticas que favoreciam a destruição de territórios indígenas, grilagem, mineração e o agronegócio — indo na contramão de tudo que o globo dizia e colocando em risco a preservação da floresta amazônica. Agora, o governo do presidente eleito Lula herda uma série de desafios que afetarão não apenas a vida do brasileiro, como também a do mundo todo. Devido ao descaso de Bolsonaro nos anos anteriores, sua presença sequer foi cogitada no maior evento que discute os acordos e compromissos internacionais perante o clima, a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), este ano realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Uma porcentagem muito pequena da humanidade criou esse problema em prol de um suposto progresso. Mas que visão utilitarista de progresso é essa? Que coloca uns em função de outros? Atos fascistas citados anteriormente se espalharam por todo o mundo nos últimos anos, evidenciando quão vulneráveis estamos, num momento de grandes mudanças no curso da nossa espécie no planeta. Não é época de despolitização, muito pelo contrário; gostando ou não, é por meio de nossas escolhas coletivas que construiremos um amanhã habitável e sociambientalmente justo. Que possamos ser a diferença. Por uma sociedade que respeita as instituições, seus companheiros, e que estende sua compaixão não apenas para sua espécie, mas para as demais, afinal, somos todos células deste grande sistema Terra.
Precisamos olhar para fora, mas também para dentro: nos coletivizar e também atualizar certas conjecturas pré-moldadas. Tal percepção vem ganhando eco mundo afora, espontânea ou forçosamente — não importa de onde parte a motivação, desde que haja mobilização e, tão importante quanto, conscientização. Torno a fala de António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, a minha, quando, neste último 6 de novembro, ele fez um alerta aos líderes presentes na abertura da COP27: “A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo”. A COP27 já começou. Estejamos presentes daqui em diante.