É preciso falar sobre humanização, educação e democracia e sobre o que isso tudo tem a ver com a polarização e o ódio que estamos vivendo. O aprofundamento no assunto exigiria muito mais espaço, mais estudo e talvez até mais alguns anos de história, mas podemos traçar o caminho que nos trouxe até aqui.
Quantas áreas necessárias ao desenvolvimento de uma sociedade são diretamente afetadas pela precariedade do sistema educacional ou pela falta de acesso à educação básica? Acredito ser essa a raiz de muitos dos nossos problemas. Mas eu quero falar mesmo é sobre as pessoas que, mesmo tendo acesso à educação, não foram ensinadas a pensar criticamente ou a questionar o que lhes pareça errado.
Não é novidade que o Brasil é um país historicamente dominado pelas classes ditas superiores. Desde os engenhos, onde os senhores eram donos das terras e das pessoas, não havia o interesse na construção de uma sociedade justa e participativa. Mandava quem podia, obedecia quem tinha juízo — ou, melhor dizendo, quem não tinha outra escolha. À classe dominada cabia obedecer e depender da classe dominadora para o mínimo que fosse. Aos pobres, naquela época, não foi dado o direito de aprender a melhor forma de construir uma sociedade, nem de participar dela econômica e politicamente. Séculos depois, seguimos colhendo os frutos do nosso vergonhoso começo.
Apesar disso, a classe que foi tão negligenciada também lutou muito para que tivesse liberdade e igualdade de direitos, inclusive o de decidir sobre seu próprio futuro: batalhou pelo que podemos chamar de democracia.
E o que isso tem a ver com a educação? Tudo. Apesar de toda essa luta, é histórico o lugar que classes economicamente mais baixas ocupam na sociedade. Por necessidade, e por assim ter aprendido, se contentam com qualquer coisa que garanta sua sobrevivência e mantêm-se estagnadas, sem perspectiva. Os pobres foram ensinados a abaixar a cabeça, aceitar o pouco e que, na esmagadora maioria das vezes, sonhar é perda de tempo. E isso não muda principalmente por um motivo: a classe dominadora quer que tudo continue como está.
Por mais que em uma sociedade democrática a igualdade de direitos esteja na Constituição, é muito mais fácil e cômodo que os pobres não entendam bem o que isso signifique. Se eles estiverem na posição apenas de ouvintes, mantendo sua perspectiva baixa, poderosos continuarão utilizando-os como escada para ficarem mais perto do topo. Governantes continuarão contando com a falta de pensamento crítico da maior parcela da sociedade para chegar ao poder. A miséria será perpetuada, os interesses dessa maioria sequer serão discutidos.
É aí que entra a educação — e aqui eu me refiro à educação em sala de aula. A sala de aula onde muitas vezes o professor é autoridade e o aluno é apenas ouvinte e ponto. Onde a humanização, ou seja, a capacidade de tornar os indivíduos aptos a viver como colaboradores em uma sociedade, é deixada de lado. (Parece que já vimos isso neste texto, não?) Já que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que “define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” prevê que o pensamento crítico seja estimulado, por que nos deparamos com uma sociedade que não sabe dialogar, checar dados ou elaborar argumentos lógicos para defender suas opiniões? Porque simplesmente não foi ensinado. Quem está por trás disso? Quem espera que a criança cresça acreditando que não precisa desenvolver essas habilidades? Quem quer que o estudo seja utilizado apenas como uma ferramenta que garante um salário um pouco melhor quando comparado a quem não estudou? Acredite, não é o educador (pelo menos não o que entende a importância da democracia), tão refém desse sistema quanto os alunos. Mas isso é assunto para outro post.
Além de aprender o bê-á-bá, a somar ou quais os limites geográficos do nosso país, também é necessário que o aluno aprenda a ser humano, a pensar, a questionar, a dialogar. A humanização da criança e do adolescente é o que provavelmente ajudará na mudança do futuro do país. Hoje, pagamos o preço e colhemos os frutos de uma educação que muitas vezes foi negligenciada. Estamos no olho de um furacão formado por representantes que defendem apenas seus interesses. Somos pessoas que foram ensinadas a não questionar e a se contentar com o pouco, pessoas que estão sedentas por mudanças, mas que não sabem como dialogar e defender seu ponto de vista, pessoas que acreditam no que veem e leem, pois a elas não foi ensinada a checagem de dados, por exemplo. Todo furacão traz algum tipo de destruição. Nossa destruição como sociedade neste momento chama-se polarização.
É difícil enxergar algo além de ódio, desespero e despreparo no atual momento político. Vemos uma sociedade sedenta por mudança, mas fadada ao fracasso se não assumir a responsabilidade de aprender a ser crítica para avaliar as consequências de suas escolhas. E isso só se dará por meio da educação, que deverá sempre ser a proposta mais importante de qualquer governo. É a educação que forma o sujeito capaz de dialogar e expressar opiniões. E essa educação só será mantida, só continuaremos tendo a oportunidade de melhorar a qualidade dela, se a democracia não estiver ameaçada: é ela que garante o nosso direito de aprender.
Não podemos de forma alguma reduzir os problemas da educação à falta do ensino do pensamento crítico e da humanização. O buraco é bem mais embaixo. A educação, principal pilar de uma sociedade, é diretamente afetada por muitos outros problemas externos ao ambiente escolar e que também são previstos como direito básico: alimentação e saneamento, por exemplo. Por mais que a nossa Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional garantam esses direitos, a luta ainda é grande para que todos obtenham uma educação de qualidade. Não basta que tenhamos um documento que prevê esses direitos, precisamos de governantes que o faça valer e de uma sociedade que consiga escolher corretamente por quem será representada.
Como eu disse inicialmente, fazer o elo entre educação, democracia e humanização é muito complexo. Cada um desses assuntos pode irradiar para várias vertentes que influenciam diretamente no que vemos hoje como sociedade. É importante entender o seguinte: só fará sentido criar adultos pensantes e críticos se houver espaço no futuro para que eles possam exercer seu direito de falar e argumentar e fazer escolhas, e isso só vai acontecer se formos capazes agora de defender a nossa sociedade de qualquer atitude ou pessoa que ameace a nossa democracia.