Neste espaço do Blog Fora do Ar, vamos indicar algumas obras (livros, discos, filmes e bulas de remédios) que, por um ou outro motivo, merecem um lugar ao sol na cabeceira da cama. E para começar com a gônada direita, indicarei o barbudo Fiódor Dostoiévski e seu Crime e Castigo.
Como disse o ex-hippie doidão dos anos 1970 Cristóvão Tezza, “o mundo de Dostoiévski não existe mais, mas continuamos lendo Crime e Castigo”. Mas por que então continuamos a ler esse calhamaço de folhas que traz personagens de nomes tão impronunciáveis? O motivo para essa continuidade não está no mundo, mas nos homens que o habitam (mais especificamente no sofrimento comum a todos).
Obviamente, a época em que o autor de Memórias do subsolo escreveu a trajetória de Raskólnikov (protagonista do livro) está muito distante do mundo em que vivemos, com todas as nossas descobertas científicas, avanços na medicina e Ivetes Sangalos que insistem em cacetear os nossos ouvidos (gosto de imaginar pessoas de outras épocas pinçadas em seu tempo e jogadas em nosso mundo — seria incrível ver a reação de Dostoiévski ouvindo Michel Teló).
Muitas histórias são narradas paralelamente às de Raskólnikov (todas personagens cujos nomes exigem um bocado de paciência para conseguirmos decorar), um jovem que, atormentado pela ideia fixa de uma possível divisão da sociedade em ordinários e extraordinários (grupo este ao qual aparentemente pertence o protagonista), acaba por assassinar uma velha usurária. O livro narra muito mais do que isso. Por isso, relaxem: não estraguei o suspense da trama russa.
Dostoiévski descreve com maestria as angústias do jovem Raskólnikov, cuja salvação é alcançada por meio de um sofrimento autoimposto. E é justamente essa análise psicológica de Raskólnikov que justifica a perpetuidade do autor russo como um dos maiores autores da literatura mundial. A descrição do sofrimento do jovem estudante transpõe as fronteiras do romance e avança para a psicologia e filosofia, influenciando, inclusive, pensadores do porte de Freud e Nietzsche.
Mudando de assunto, das várias edições disponíveis de Crime e Castigo, sugiro a publicada pela Editora Todavia, cuja tradução (a primeira feita direta do russo) é assinada por Rubens Figueiredo.